Tonglen II

Já percebi que as pessoas, em geral, adoram ouvir os ensinamentos. Algumas pedem para que eu publique no blog ou envie por email, outras ligam para conversar sobre o tema ou enviam mensagens para esclarecer dúvidas e compartilhar experiências. E isso é maravilhoso!
Mas, quando chega a hora de praticar (especificamente) essa meditação de hoje – Tonglen -, elas dizem: “Hum, parece bom, mas eu não tinha entendido que era para praticar de verdade”.

Em sua essência, a prática do Tonglen (dar e receber) pode ser resumida assim: inspiramos o que é doloroso e indesejável. Essa é uma outra maneira de dizer para não resistir. Nessa prática, quando surgem emoções e sentimentos indesejáveis, nós os inspiramos de fato e nos conectamos com o que os outros seres humanos sentem. Todos nós sabemos o que é sentir dor, nas diversas formas que ela assume.

Essa é uma experiência real e pessoal, mas o ponto aqui é que, simultaneamente, estamos desenvolvendo nossa afinidade com todos os seres. O que pudermos reconhecer em nós mesmos reconheceremos em todos os demais. Quando experimentamos um acesso de inveja (ou raiva, ciúme, impaciência) e nos ocorre de inspirá-lo em vez de tentar encontrar um culpado, ou seja, quando entramos em contato com a flecha enterrada em nosso coração, fica muito fácil compreender que, nesse exato momento, outras pessoas estão sentindo o mesmo.

Essa prática (Tonglen) ultrapassa culturas, situação econômica, inteligência, raça ou religião. Há sofrimento por toda parte – há inveja, raiva, abandono, solidão. Todos sentem exatamente da mesma maneira. As histórias pessoais variam, mas o sentimento por trás é sempre o mesmo.

Seguindo essa linha de raciocínio, quando nos conectamos com o que para nós significa abertura, alívio e relaxamento, expiramos essa sensação, deixamos que ela seja liberada e a doamos para todos os seres. Se estivermos dispostos a deixar de lado a nossa história (o nosso drama pessoal), sentiremos exatamente o que os outros seres humanos sentem. Todos nós compartilhamos os mesmos sentimentos. Nesse sentido, se fizermos a prática de forma autêntica, ela despertará nossa sensação de afinidade com todos os seres. (e isso é maravilhoso!)

Na verdade, protegemos o nosso coração (o tempo todo) com uma armadura tecida com o hábito muito enraizado de afastar a dor e agarrar o prazer.

Nosso relacionamento direto com nossos aspectos mal resolvidos, em outras palavras, com as áreas de nossa vida de que não gostamos, nos permite ventilar o ambiente abafado do ego. Da mesma forma, quando abrimos nosso coração trancado e deixamos sair o que é agradável, irradiando para o exterior e compartilhando (cura, alegria, bem estar, relaxamento), também revertemos completamente a lógica do ego (que só pensa em satisfazer a si mesmo), e isso significa reverter a lógica do sofrimento.

Com essa prática, começamos a abrir espaço e ventilamos o casulo em que nos encontramos. Quer esteja inspirando ou expirando, com a prática do Tonglen estamos abrindo o nosso coração e despertando o autêntico coração compassivo.

Com a continuidade da prática de Tonglen (dar e receber), desenvolvemos nossa compreensão e começamos a entender os outros muito melhor. Desse modo, nossa própria dor funciona como meio. Nosso coração se desenvolve cada vez mais e mais e, mesmo quando alguém chega e nos insulta, podemos verdadeiramente entender toda a situação, pois conhecemos muito bem o caminho de cada um de nós (porque nós também sentimos raiva quando não conseguimos que as coisas, situações e pessoas sejam do jeito que queremos).
Então percebemos também que podemos ajudar, simplesmente inspirando a dor dos demais e expirando espaço, alívio ou a própria cura.

Para finalizar o mestre diz:
O mais importante é realmente entrar em contato com a fixação e o poder da atividade de nossa insatisfação. Isso vai tornar a situação dos outros perfeitamente acessível e real. Então, quando esse sentimento se torna presente e nítido (seja raiva, timidez, intolerância, impaciência, depressão), lembramos sempre de expandir a prática. Deixamos que nossa própria experiência seja um ponto de partida para trabalhar com o mundo.


MEDITAÇÃO (ESCUTA, COMPREENSÃO e FAMILIARIDADE)

ESCUTA / ENSINAMENTO
Quando começamos a inspirar a dor, em vez de afastá-la, passamos também a abrir o coração ao que é indesejável.

COMPREENSÃO / REFLEXÃO
O mestre vai dizer que
Nessa prática, é preciso trabalhar com o sofrimento imediato de alguma pessoa (inclusive a nossa própria dor – doença, raiva, timidez, depressão) e a dor universal de todos.
Inspiramos a raiva de todas as pessoas (ou doença, amargura, solidão, timidez, depressão) para que elas possam deixar de senti-la.
Importante lembrar que isso não vai deixar sua raiva, amargura, depressão maior ou que você vai absorver as doenças de todos os seres, não!
Às vezes, nessa bela prática, vislumbramos a razão pela qual existem tantos assassinatos, estupros, guerras – entendemos porque há tanto sofrimento no mundo. Tudo se transforma no ódio ou miséria que poluem o mundo e, obviamente, perpetuam o círculo vicioso de sofrimento e frustração.

Como nós (também) sentimos raiva, podemos ter um estalo, uma conexão que nos permita compreender a raiva (ou depressão, timidez, amargura) de todos os seres sensíveis.
O Tonglen é assim: ao mesmo tempo, uma prática de fazer amizade consigo mesmo e uma prática de compaixão.

FAMILIARIDADE / MEDITAÇÃO
Primeiro estágio
Inspiramos e expiramos abrindo o nosso coração; geramos uma sensação de espaço.

Segundo estágio
Inspiramos uma sensação de peso e expiramos leveza; inspiramos escuridão e expiramos clareza.

Terceiro estágio
Avançando na prática, vamos trabalhar com um objeto específico, sinceramente sentido como sofrimento. Inspiramos a dor de uma pessoa ou animal que desejamos ajudar. Expiramos espaço, alívio, bondade, paz.

Quarto estágio
Vamos expandir ainda mais esse desejo de aliviar o sofrimento. Começamos com uma pessoa ou animal e passamos a abranger todos os que sofrem da mesma forma – que pensam em suicídio, ou sentem inveja, ou raiva, ou depressão, ou timidez, ou desprezo.

Inspiramos, simultaneamente, a dor (raiva, depressão, doença, seja o que for) de milhões de pessoas que sentem a mesma coisa. E, ao expirar, doamos espaço, bondade, saúde – qualquer coisa que possa ter um efeito de cura sobre todos que sofrem a mesma dor.

Você só precisa experienciar tão plenamente quanto puder.
Inspire a raiva, por exemplo, e pare de pensar nela. Nesse momento, você possui plenamente a raiva dentro de si. Atribua todas as culpas (de todas as pessoas) a si mesmo. Isso exige muita coragem e é extremamente insultante para o ego.
Então, expire (em todas as direções) simpatia, relaxamento e amplidão. Expirar é como abrir os braços e apenas deixar ir.
Em seguida, inspire a raiva de novo – seu calor pesado e escuro. Expire, ventilando tudo e permitindo muito espaço.

Na verdade, o que estamos fazendo nesse processo é cultivar bondade em relação a nós mesmos. Somente isso, muito simplesmente. Não pensamos a respeito, não filosofamos. Apenas inspiramos uma insatisfação muito real, possuímos esse sentimento e deixamos que ele seja arejado, permitindo muito espaço à medida que expiramos.

Assim que essa sensação surgir, procure retê-la em sua mente, dentro de seu coração, sem se distrair, por três (3) a vinte e quatro (24) minutos.

Ao terminar...
Tentamos levar esse “sentimento; sensação” conosco durante o intervalo entre as meditações.

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